No apagar das luzes do mês de fevereiro a imprensa nacional
ventilou um projeto de lei apresentado em novembro do ano passado pelos deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Jorge Bittar (PT-RJ) para uso de 20% do Fundo Setorial para Tecnologia da Informação (
CTInfo) com o intuito de financiar projetos de software livre nacionais.
O projeto está em tramitação anexado a outro projeto (
3.684/04) de autoria do deputado Carlos Eduardo Cadoca (PSC-PE), o qual trata de redução de juros para empréstimos financeiros à empresas que desenvolvem software livre e que juntos poderiam sem dúvida nenhuma fomentar uma nova indústria em nosso país, além de criar um expertise para atender quaisquer demandas nacionais e internacionais e elevar o nome de nosso Brasil para um patamar bem diferente daquele que nos encontramos hoje quando falamos em desenvolvimento de softwares.
Como nem tudo são flores, ambos os projetos possuem resistência tanto dentro da própria câmara quanto por nós mesmos brasileiros. O primeiro projeto passou por dois relatores diferentes (Dep. José Mendonça Bezerra (DEM-PE) e Dep. Dr. Nechar (PV-SP)) que votaram de formas diferentes. O primeiro vota pela aprovação com algumas emendas de cunho operacional (prazo de regulamentação e melhor definição do que é Software Livre). Já o segundo rejeita o projeto, principalmente (mas não somente) pelos seguintes pontos:
- Falta de incentivo econômico ao desenvolvimento de software de alta qualidade, tendo em vista que as empresas que atuam nesse mercado podem cobrar apenas pela manutenção dos sistemas;
- Custos de implantação de soluções baseadas em software livre superiores aos verificados nas soluções tradicionais, em decorrência da ausência de padronização;
- Dificuldade de comprovar que determinadas empresas trabalham exclusivamente com desenvolvimento de sistemas baseados em software livre.
Estarrece-me o voto do relator que de duas uma, ou não possui assessoria técnica sobre o assunto ou a assessoria que possui é nativa do ambiente do software proprietário que não deseja ver o dinheiro público sendo investido, não em software livre, mas na criação de conhecimento e no fomento da indústria nacional. Esta sensação advém principalmente da leitura dos seguintes parágrafos do voto do relator:
O fato é que setor de tecnologia da informação é extremamente importante na economia brasileira. Responde, segundo a FIPE, Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP, pela criação de mais de trezentos mil empregos diretos. Está submetido a uma carga tributária de quase quarenta e cinco porcento, e tem reflexo transversal em toda a competitividade da economia brasileira, tendo em vista que seus produtos inserem-se em todas as demais cadeias produtivas.
Esse contexto nos leva a concluir que tais modificações em sua estrutura não são producentes, pois podem afetar negativamente uma indústria responsável por milhões de empregos diretos e indiretos, por significativa parcela de arrecadação tributária e que contribui, de forma significativa, para a competitividade da economia brasileira.
Não acredito que exista, por mais cruel que seja, brasileiro desejoso de "milhões de empregos diretos e indiretos" jogados no lixo. Ao contrário, queremos sempre ver nossos filhos e netos capazes de estudar e obter um emprego que propicie aquilo que denominamos cidadania. O projeto do deputado Cadoca (e consequentemente o software livre) não é ferramenta que visa ampliar ainda mais a taxa de desemprego atualmente vivida na área de tecnologia (e em todas as outras) de nosso país.
Ao contrário disso, deseja fomentar o conhecimento, a criação de novas nano, micro e pequenas empresas capazes de competir em qualidade e capacidade de desenvolvimento com parques hoje dominados pelos países do leste europeu e Índia e também gerar mais empregos e mais divisas para todos nós. Mas como fazer tudo isso sem auxílio e com as taxas absurdas de juros praticadas tanto pelas instituições oficiais quanto as particulares? Como permitir que o pequeno se torne grande sem apoio?
O paralelo pode ser traçado facilmente com o programa canadense de desenvolvimento cultural, onde está inserido o programa de desenvolvimento musical. Qual será a relação entre o investimento governamental e o retorno em empregos, visibilidade e impostos gerados por mais de 120 milhões de discos? Qual é o retorno propiciado por artistas mundialmente famosos para seu país de origem? Não falo somente daquilo que é direto, mas também daquilo que é indireto e que poderia passar sem ser visto como a locação e contratação de estúdios, artistas, gráficas e fábricas nacionais devido a qualidade apresentada pelos artistas oriundos daquele país. Lá o investimento no pequeno, no nano, não é considerado perda de empregos ou de receita, ao contrário, é considerado patrimônio do país e política pública.