Quem usa o
Linux sabe que o sistema está mais do que pronto para disputar o mercado de desktops com os sistemas proprietários. Seja com o Gnome ou com o KDE, com o Ubuntu, Fedora, openSUSE ou Debian, há muito já se foi aquele tempo em que o Linux era um sistema para quem tinha tempo, disposição e conhecimento técnico para usá-lo. Qual seria, então, o motivo para o lento progresso na adoção do software livre?
Diversos obstáculos podem ser apontados, como, por exemplo, o custo da migração, o preconceito, a impossibilidade de rodar alguns determinados softwares proprietários, a inércia etc. Neste post quero focar em apenas um deles, que, cada vez mais, parece-me de importância central: o
marketing.
A proposta do
software livre contém elementos de contra-cultura e seus proponentes são, na maior parte, participantes de uma subcultura que pouco tem em comum com a cultura mais geral que permeia a sociedade capitalista globalizada. Frise-se: a comunidade do software livre não possui os mesmos valores (ao menos não em mesma ordem de prioridade) que o restante da sociedade. Isto implica em um problema fundamental na comunicação: como convencer um leigo em tecnologia, muitas vezes com pouca preocupação em manter um posicionamento ético e político, de que as liberdades de rodar, estudar, compartilhar e modificar softwares são de grande relevância? Mais do que isso, como fazer com que o movimento tenha alguma visibilidade em um mundo tão acostumado à informação mastigada, picotada, de no máximo 140 caracteres?
Considerando que somos nós que queremos subvertê-los à nossa ética, não contrário, parece evidente ser nossa a incumbência de buscar construir um diálogo em sua língua. Com isso quero implicar mais do que apenas mastigar termos técnicos como particionamento e montagem de hd, boot loader, sistema de arquivos, desktop manager etc. Com isso quero implicar que devemos gerar empatia, devemos nos apresentar como semelhantes, devemos vestir uma máscara que nos torne agradáveis, familiares.
Tudo isso começa pelos nomes.
GNU/Linux, por exemplo. Os mais conscientes da história do movimento sabem que Linux, a despeito de sua importância central no sistema, é apenas o nome do kernel, um dos muitos softwares que fazem parte de um sistema operacional. Assim, chamá-lo de Linux é negar crédito a todo o restante, mais do que isto, é negar crédito àqueles que começaram a divulgar a necessidade de liberdade em matéria de software. GNU/Linux é sem dúvida uma nomenclatura muito mais fiel à história do sistema.
Isto, contudo, não implica que este deve ser o nome a ser adotado em quaisquer situações. Ao conversar com alguém que nunca ouviu falar de software livre, preocupar-se em dar ao sistema o seu nome correto, GNU/Linux, não agrega qualquer valor, sendo ainda uma péssima forma de apresentá-lo. Para o leigo GNU/Linux não quer dizer nada. Ele não sabe o que é Linux, não sabe o que é GNU, nunca ouviu falar de
Richard Stallman, nem de
Linus Torvalds, nem de GPL, e a palavra kernel não possui significado algum.
A dimensão disto talvez nos escape. Pense na sua tia ou no seu primo macho-alpha desmiolado. O que você acha que tem mais apelo, Mac ou GNU/Linux? O que é mais fácil de memorizar, XP ou GNewSense? Tente, então, explicar-lhes que GNU quer dizer GNU's not UNIX, que é um acrônimo recursivo. Explique o que é um acrônimo recursivo e que eles foram muito usados pelos hackers nos anos 70. Aí tente explicar o que é UNIX ou você realmente acha que Bell Laboratories, MIT, C e UNIX são parte da cultura geral e estão de mãos dadas com a Madonna? Tente então explicar que, na verdade, não existe um sistema GNU/Linux, e logo que não é possível comprá-lo, de forma que eles devem procurar por distribuições GNU/Linux, mas que existem infinitas delas, aconselhando-os a começar com algo como o openSUSE e explicando porque algumas letras estão em maiúsculas no meio do nome. Explique, então, o que é uma distribuição.
Quando tive meu primeiro contato com o movimento eu me apaixonei e todos estes detalhes me encantavam, como sei que encantaram e ainda encantarão muitos outros. Mas devemos estar cientes de que somos e sempre seremos minoria.
Toda essa miríade de informações e nomes simplesmente não tem, nem nunca terá, qualquer apelo para a grossa maior parte dos usuários. Pior do que isso, essa avalancha de informações só fará com que estes usuários encarem o sistema como algo extremamente complexo, "coisa de nerd", desenvolvendo um receio, um preconceito contra ele.
Em minha opinião esta nossa postura denota somente falta de humildade, falta de disposição para entender o outro, falta de estratégia. Nós queremos convencer a sociedade da superioridade do modelo livre, mas de tão convictos que somos desta superioridade, queremos que a sociedade se curve aos nossos valores e queremos isto desde o primeiro contato. Somos, então, constantemente derrotados por aqueles que, ao invés de tentar mudar os valores da sociedade, manipulam as disposições e desejos humanos mais primitivos em seu favor. Depois de uma hora discorrendo sobre a importância ética da adoção do software livre, chore ao ver o seu primo comprar um iPhone pelo simples fato de que ele é "descolado".
Branding, marketing.
Se queremos chamar a atenção, temos que descer dos tamancos e jogar cartas com malícia, devemos nos tornar desejáveis, devemos parecer iguais; ao invés de confrontar devemos cooptar. Esta é a razão pela qual eu, apesar de ser um usuário Debian convicto, instalo Ubuntu quando me pedem. Instalo Ubuntu e não explico que o nome tem um significado em uma língua africana. Instalo Ubuntu e não explico que é software livre. Instalo Ubuntu e não explico que é uma distro Linux. Ubuntu é uma palavra simples, "marketável". O Ubuntu tem um site bonito e trata os usuários como se fossem crianças. Instalo o Ubuntu, ajusto o Compiz e digo apenas: "não é legal?" É somente isso que vai interessar a maior parte dos usuários de desktop. Shinny.
Isto não quer dizer que nunca mencionarei a questão da liberdade. Quer dizer apenas que aquele não é o momento. A maior parte das pessoas é avessa a migrar para um novo sistema. Veja o caso do Vista. Muita gente ainda hoje usa o XP e muita gente vai continuar usando. Para que o usuário decida reinstalar seu sistema operacional ele precisa sentir a necessidade de fazê-lo e ainda assim será um momento de insegurança e dúvida. O que ele precisa neste momento é sentir que o sistema que você está propondo é fácil de usar e que é mais legal do que o que ele vem usando. É triste, mas é uma realidade que não vai mudar tão cedo, nem será diferente porque assim desejamos.
Depois que este usuário já tiver migrado e já se sentir confortável com o novo sistema, aí então é o momento da aula de história. Nesse ponto a aula de história, ainda que entedie o aluno, não vai fazer ele reinstalar o Windows, porque ele já viu o suficiente para saber que o sistema que ele está usando é melhor, mais rápido, mais seguro, mais bonito, não trava e faz tudo o que ele precisa. Nesse momento, a aula de ética, se não fizer com que ele se apaixone, ao menos não lhe trará um preconceito.
Texto publicado originalmente em meu blog pessoal:
http://tagesuhu.wordpress.com/