Esta notícia, por si só, soa para os desavisados como uma
ótima alternativa ao nosso país que, certamente precisa de
investimentos em sua área de software, principalmente, as micro
e pequenas empresas, que são a maioria da força laboral nesta
área. Mas, se afinarmos a leitura da matéria e fizermos uma
reflexão desta, podemos ver que as intenções da gigante de
software vão além da benevolência ou comprometimento com o
progresso de nosso país. Mas, e como isso acontece?
Para as empresas se candidatarem à bolada de R$ 50 milhões de
financiamento, precisam, dentre outras coisas, que uma de suas
soluções de software rode em plataforma Microsoft. Claro que
teria que ser assim, pois ela não entraria na jogada se não fosse
beneficiada de alguma forma. Neste ponto podemos reconhecer uma
das espertezas do lobo: as empresas que recebem os investimentos
estarão, necessariamente, desenvolvendo softwares baseados na
plataforma Microsoft e assim fomentando o mercado desta por meio
de incentivos de compra de licenças de softwares, serviços,
suporte e outros.
Para facilitar a equação: uma empresa recebe dinheiro do bolão
para desenvolver software baseado na plataforma Microsoft e vende
este software no mercado (com o auxílio do marketing da companhia
e ?cases de sucesso? ensinados pela cartilha da mesma). Uma outra
empresa, a que adquire o software, tem obrigatoriamente que arcar
com a compra de licenças de sistemas operacionais e outros produtos
da Microsoft, além da aquisição de serviços e suporte adicionais
para que a coisa toda funcione.
O que mais espanta nesta equação não é ela em si, mas o que está nas
suas entrelinhas. Esta conversa toda leva nosso governo, por meio
do seu banco de desenvolvimento, a financiar a maior companhia de
software do mundo. Explico: a partir do momento que o BNDES entra
com sua parte no montante de financiamento, ele auxilia a
disseminação da tecnologia da Microsoft em nosso país e esta, por
sua vez, recebe seus R$ 25 milhões de volta, seja por meio da
aquisição de licenças de software por terceiros, seja pela venda
de serviços ou de suporte, além de se aproveitar dos outros R$ 25
milhões do banco que ajudam a financiar o esquema todo.
Ora, então seria melhor para o governo e para o país pegar os R$
25 milhões do BNDES e criar programas de investimento para empresas
deste segmento, sem a necessidade de dizer a elas o que devem criar
de software ou não e sobre qual plataforma? Sim, este seria o correto.
A demanda do que se cria e como se cria deve partir do mercado e não
ser ditada por uma companhia estrangeira que está interessada em
financiar seu modelo de desenvolvimento proprietário, bem como suas
ações monopolistas.
Dando continuidade ao estudo da matéria, podemos encontrar mais
algumas espertezas dos lobos. Uma delas é o destino dado ao dinheiro
pela empresa que o recebe. De acordo com o gerente de desenvolvimento
da Microsoft, Frank Luzes Jr., este seria utilizado para a aquisição
de equipamentos, contratações, ações de marketing e outras
finalidades. Com esta afirmação podemos corroborar a equação
apresentada: com o financiamento, contrata-se profissionais e estes
precisam dominar a plataforma da companhia. Para esse domínio, ele
precisa freqüentar cursos oficiais, obter as certificações nos
produtos, comprar livros, assinar o MSDN e assim por diante. Então
o ?investimento? feito é retornado para a Microsoft de outras formas,
ou seja, o negócio vira negócio que vira negócio e assim por diante.
O mais interessante em toda a matéria é ver que esta idéia
mirabolante faz parte de um programa denominado pela Microsoft de
Next Generation (próxima geração de quê?), lançado em maio
deste ano com o intuito de ?oferecer software subsidiado e apoio em
gestão corporativa e marketing para empresas de software no Brasil?.
Se formos conhecer de perto este programa, podemos ver mais uma
esperteza do lobo na história: ?Para ser elegível, o parceiro deverá
assumir o compromisso de desenvolver ao menos um produto na plataforma
Microsoft no prazo de um ano?. Assim vemos que a idéia principal não é
o fomento do segmento nacional da indústria de software ou de nosso
mercado, mas sim o de usar os cordeirinhos brasileiros para ampliar
seu ?market-share? dentro e fora de nosso país, fazendo com que cada
vez mais se mantenha o modelo capengante de software proprietário
balizado pela companhia.
E o que fazer?
Existem várias formas de fomentar a indústria de software brasileira,
considerada por Nicholas Negroponte, fundador do MIT, como mais
criativa que a indiana, por exemplo. Uma delas é o governo apostar
nesta criatividade inerente ao brasileiro. Aproveitar o ambiente
heterogêneo aqui existente para criar, cada vez mais, softwares que
atendam demandas específicas e que necessitem de criatividade.
Também se faz necessário criar centros de pesquisa em software por
todo o país. Estes sim são a base técnica e que alicerça a
criatividade, fazendo com que nossos produtos sejam melhores que os
outros.
Um outro caminho, paralelo aos comentados, é o fomento do software
livre como plataforma que permita nossa indústria exercer sua
criatividade. A criatividade não é objeto de patente ou de cerceamento.
É objeto de evolução de todos e por isso deve ser incentivado
fortemente, mas não da forma que se pensa fazer como desfilado na
matéria citada.
Finalmente, não podemos nos deixar enganar por investimentos
falaciosos que trazem por trás interesses obscuros e mercantilistas.
Devemos tomar cuidado com os lobos em peles de cordeiros e, como na
fábula de Esopo, rezar para que o próximo cordeiro a ser abatido,
seja o lobo.