Vou fazer um apanhado dos meus dilemas iniciais para desenvolver um projeto Open Hardware de mouse + GUI (um mouse novo para repensar a era das janelas e ícones):
- Patentear ou basta licença pública (GPL, CC)? (aparentemente é melhor patentear primeiro para depois abrir para desenvolvimento open)
- A patente dá conta apenas de processos novos, não sendo possível registrar idéias e problematizações que surgirem durante o desenvolvimento colaborativo. Será que mesmo assim estaremos protegidos pela licença pública?
- Em termos de hardware, teoricamente uma simples mudança no revestimento de um mouse já poderia ser patenteável. Mas por outro lado, parece que há uma certa permissividade entre os fabricantes que ultrapassa até licenças livres: supostamente muitos GUI estão, não só patenteados, como também são proprietário-fechados e mesmo assim não há processos judiciais quando um fabricante implementa a novidade do outro; e quando a Microsoft divulgou aquela nota dizendo que Linux deve estar violando centenas de patentes, os boatos são de que alguns se referem às GUI, mas que não passaria da ameaça para processo judicial, pois a própria Microsoft teria feito muita apropriação de GUI de outros.
- Se outros artigos discutiram que os custos no desenvolvimento de hardware podem ser maiores que o de softwares, mas mesmo assim mantinham a esperança de que Open/Free Hardware seria possível, essa permissividade de que farei traz um cenário novo: se até fabricantes proprietários-fechados podem copiar nossas inovações de hardware aliadas a GUI de softwares, perde um pouco de sentido a licença pública. Ou ainda: se estamos desenvolvendo sob uma licença e um fabricante proprietário-fechado resolver copiar, como procederemos? Devemos processá-la ou devemos deixar para lá para que não abra precedente para os fabricantes processarem os softwares livres que imitaram as GUI de seus produtos? (exemplo: ainda que diferente, GIMP tem GUI similar de Photoshop, KDE tem GUI similar do Windows etc).
Para pensarmos melhor, melhor vermos o que os concorrentes estão fazendo: estão surgindo novas idéias e tecnologias nesse ramo de periféricos e GUI. Aparentemente muita coisa está sendo patenteada mas ainda temos de esperar para ver se haverá, por exemplo, processos judiciais que impeçam o desenvolvimento de aplicações baseadas no multitouch-screen (patenteadas tanto pela Microsoft quanto pela Apple):
- A Microsoft está desenvolvendo Surface, uma grande mesa digital multi-toques. Em resposta pelo lado do software livre, estão desenvolvendo MPX com Diamond Touch (porém, infelizmente, pelo jeito esse Diamond touch não é open hardware);
- Embora Microsoft diga que Surface pode significar o fim de mouses e teclados, recentemente ela patenteou "um novo conceito de mouse", que é um clipe para encaixar na mão. Tem botões ao alcance do polegar e ao fechar a mão é possível movimentar o cursor na tela como um joystick do tipo Nintendo Wii;
- Apple e os multitoques: prestem atenção para esta notícia que apareceu no macnews: "Apple pede patente de touch-screen inovador"; "A Apple entrou com um pedido de patente intitulada: 'Gestuais para dispositivos de entrada sensíveis ao toque', incluindo no pedido, diversas ilustrações de uma mão executado gestos muito similares aos usados para controlar as rodinhas dos iPods"; "Entre os pontos inclusos na patente, estão a habilidade de se rotacionar, aproximar e recuar a visualização, o virar de páginas, gerar controles de ações por sequências de movimentos como de rodinha, inércia e flutuação";
- Ouvi dizer que o iPhone é cercado por umas 200 patentes. Contudo, estão surgindo similares tanto para iPhones quando iPods, com touch-screen. Talvez esse seja o caso de permissividade entre os fabricantes (não tenho certeza...). E talvez, se fosse seguido a risca, as patentes da Apple e da Microsoft impediriam o desenvolvimento do Surface e dos iPhones;
- Porém, a Apple também parece não ter desistido do mouse: patenteou (ainda que sem previsão de lançamento) o "mouse multi-touchscreen", que é um mouse iluminado por uma luz interna que interpreta as sombras da mão do usuário (mas talvez possa chegar a reconhecer impressões digitais), o que poderia representar a volta dos mouses de mac sem botões aparentes: a partir dos movimentos dos dedos, o mouse interpreta se o usuário quer clicar, usar a roda de rolagem etc;
- Já a Logitech lançou Mx Air, um mouse que funciona como mouse comum na mesa, mas também pode ser usado no ar por ter detector de movimentos. Uma pirueta pode por exemplo acionar o comando de trocar de música etc. Seu formato é intermediário entre um mouse, controle remoto e Wii.
Todas essas tecnologias devem ter patentes, ainda que não seja para a totalidade dos aspectos dos produtos.
Voltemos para o nosso projeto de Open Hardware: a conclusão de vocês pode ser diferente, mas pelo que visto, a melhor alternativa parece ser ter uma patente, até para proteger de apropriações (registros de patentes alheias) sobre nosso desenvolvimento. Atualizar a patente a cada melhoria interessante que desenvolvamos, mas ao mesmo tempo que impedimos que outros roubem o registro da patente sobre nosso produto, talvez possamos ser permissivos de deixar que não apenas copiem o projeto pelos preceitos do Open Source mas também deixar que os proprietários-fechados o façam.
A permissividade que existiu no desenvolvimento de periféricos e nos GUI, e que pode continuar nos multi-touch-screen apesar das patentes da Apple, Microsoft, ou ainda dos controles baseados em detecção de movimentos (Nintendo, Logitech, Microsoft), parecem indicar um tipo de Open Business, ainda que alheios à Open Source.
Isso traz a provocação de que boa parte de hardwares (e softwares que os acompanham) já se desenvolve de forma aberta sem precisar de Open Hardware.
Bem, esse foi o primeiro artigo para iniciar o debate. O fato de escrever sobre isso ajudou a organizar as idéias e a clarear a situação. Por conta das particularidades dos Hardwares, seu desenvolvimento pode ser mais lento ou mais difícil que dos Softwares, ainda mais se não houver alguma empresa envolvida. Vimos também que muitas coisas, apesar de patenteadas, não impedem o surgimento de similares e talvez devamos encarar isso como um open business, ainda que muitos o façam sem seguir os preceitos de Open Source.
O desafio então é que o Open Hardware consiga apoio para desenvolver seus projetos de forma viável apesar dessas particularidades, pois de fato pode trazer grandes benefícios quando uma porção apreciável de hardwares for Open ou Free.
Quando surgirem novidades (ainda estou desenvolvendo o básico do mouse Open Hardware) ou novas reflexões, postarei num novo artigo. Valeu e obrigado.