Os desenvolvedores de Software Livre brasileiros, ou que têm usuários brasileiros, encontram na legislação alguns entraves. O principal deles é, no meu entender, a forma como a relação entre fornecedores e consumidores está definida na lei brasileira. Esse artigo discutirá alguns tópicos do CDC que devem ser observados.
Logo em seu Artigo 2º o CDC define o que é um Consumidor. Essa definição, como veremos, traz algumas conseqüências ruins para nós, desenvolvedores de Software Livre. Vamos portanto a ela:
Art. 2º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Com essa definição, qualquer pessoa que faça o download de um Software Livre e comece a utilizá-lo terá todos os direitos e garantias dados pelo CDC, mesmo sem ter pago (na maioria dos casos) um centavo pelo software ou por seu uso.
Os usuários do Debian, por exemplo, estão acostumados a ver no prompt do modo texto uma mensagem dizendo que aquele sistema vem sem qualquer garantia. A própria GPL afirma que o software através dela licenciado não tem qualquer garantia. Pois bem, diante da legislação brasileira nada disso é válido!
A pessoa ou empresa que estiver fazendo uso de um Software Livre poderá, segundo essa definição de Consumidor, acionar judicialmente o fornecedor do produto com base nos direitos e garantias do CDC, não importando que a relação de consumo tenha sido estabelecida sem troca monetária, ou seja, mesmo que o Consumidor não tenha pago nada pelo software em questão.
[3] Comentário enviado por telurion em 30/12/2006 - 22:51h
Parabéns pelo artigo, muito esclarecedor e oportuno!
Só confirmando: no Brasil software também é passível de ser patenteado? Com certeza, os direitos autorais se aplicam, mas não sabia de haver patente de software no Brasil.
[4] Comentário enviado por EdDeAlmeida em 30/12/2006 - 23:39h
Software pode ser registrado no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), como qualquer outro invento. Dê uma olhada no site http://www.inpi.gov.br/ e procure o link "Programa de Computador" no menu. Lá explica tudo, toda a legislação e como proceder para fazer o registro de um software.
É claro que a lei está "caduca". Para você ter uma idéia, ela garante os direitos sobre o software registrado por 50 anos!!! Você imagina um programa de computador que dure tanto tempo assim?
De qualquer forma, é importante registrar o software. Isso é o que garante os direitos autorais sobre o mesmo. E para manter o software livre, é importante registrar. Imagine a seguinte situação: Você desenvolve hoje um software revolucionário, que muda os destinos da humanidade (parece dramático, mas por que não?!). Só que você não registra ele e coloca na web, cheio de boa vontade, como Software Livre. Aí vem uma grande corporação como a M$ e copia seu software e registra. Aí ela fecha o produto e cobra de todo mundo pelo uso, até de você... Afinal, sem registro, como você vai provar que era seu o programa???
Livre não é sinônimo de informal ou bagunçado. Para preservar a liberdade, temos de manter um nível elevado de organização. Afinal, os inimigos do Software Livre são poderosos.
[5] Comentário enviado por Emilio em 01/01/2007 - 14:50h
Esse assunto é um bom tema para monografia.
Sobre a inversão do ônus da prova, esta ocorrerá sempre que for impossível ao usuário comprovar um fato. Por exemplo, como é que o usuário vai comprovar que o programa NÃO informou que determinada operação poderia causar um dano qualquer? Neste caso, o fornecedor é quem deverá comprovar que o programa exibe sim uma janela de advertência sempre que aquela operação é solicitada pelo usuário.
Por outro lado, um contrato é lei entre as partes e se o usuário sabe (o fornecedor deverá comprovar que ele sabe) que o software ainda está em fase de desenvolvimento e que pode ainda conter bugs, ele (o usuário) assume os riscos pela utilização, o que, de certa forma, isenta o fornecedor.
[6] Comentário enviado por EdDeAlmeida em 01/01/2007 - 16:23h
Concordo plenamente, Emílio.
É por isso que saliento a importância de um controle rigoroso sobre versões. Isso evitará que o usuário alegue que tem uma versão anterior ou que a janela foi acrescentada propositalmente para escapar às conseqüências da ação judicial. Ele poderia alegar facilmente, dizendo que não tem mais o software instalado pois este causou dano e ele teve de formatar o HD que o continha. Nesse caso a inversão do ônus trabalharia contra o desenvolvedor, não acha?
Contrato é lei entre as partes, sim. Mas um contrato particular, ou mesmo uma lei, não pode invalidar uma lei maior. Assim, um contrato entre fornecedor e consumidor não pode invalidar as condições explicitadas no CDC, da mesma forma que uma lei estadual não pode invalidar as garantias constitucionais. É daí que procedem, por exemplo, as ações por inconstitucionalidade.
Realmente, o tema poderia dar origem a uma excelente monografia. Você estaria disposto a trabalhar comigo nela? Quem sabe nós dois juntos pudéssemos trazer uma nova luz sobre o tema?
Você é advogado? Se não é, que tal dar uma de rábula e escrever sobre esse tema?
[7] Comentário enviado por birilo em 02/01/2007 - 09:57h
Projetos como o SourceForge tem uma regulamentação em cima...
Ao registrar um software no sourceforge como software livre, se houver alguma disputa de propriedade intelectual, ganhará aquele que tiver publicado antes, e a data de publicação do sourceforge é válida...
Logo não tem como a M$ ou outra empresa roubar código de lá...
[10] Comentário enviado por emilio em 02/01/2007 - 13:30h
Edvaldo, trabalho com software e sou também bacharel em direito.
Sobre a responsabilidade civil, é importante salientar que o usuário não é 100% isento de comprovação dos fatos alegados. Por outro lado, uma boa maneira de se defender é fazer com que o usuário emita um recibo, ainda que eletrônico, se comprometendo a manter uma cópia do software em seu poder para fins de backup, reinstalação, atualizações etc. Essa cópia poderá ser utilizada em eventuais simulações que comprovariam ou não os fatos alegados pelo usuário. Se ele se compromete e não cumpre, esse fato pode ser levado a favor do fornecedor pois este lhe deu a oportunidade. Bom lembrar a máxima de que o software deve atender as especificações de funcionamento dentro das especificações de uso, ou seja, o mau uso não gera responsabilidade do fornecedor.
Me comprometo a estudar o assunto e publicar aqui o resultado. Vou ver também como os norte-americanos tratam o assunto já que lá até pum fedido gera indenização do dono do restaurante que não avisou que a comida poderia provocar flatulência :))))
[11] Comentário enviado por EdDeAlmeida em 02/01/2007 - 13:48h
Emilio,
Fiquei muito feliz por saber que você é bacharel em Direito. Há tempo venho buscando uma pessoa com conhecimentos em ambas as áreas, pois creio que há um ramo muito prolífico no estudo do direito voltado para a Informática.
A questão de como os americanos vêem essas coisas é interessante. A GPL, licensa mais usada de software livre, necessita de algumas alterações para ser usada no Brasil Consultei o pessoal da Free Software Foundation (sou membro) e eles não têm nenhum trabalho voltado para adaptação à legislação de outros países, mas eles têm interesse em realizar algo nessa área.
Creio que devemos conversar mais sobre isso. Meu MSN é edvaldoalmeida@yahoo.com e no Skype sou ed.lonewolf
[14] Comentário enviado por EdDeAlmeida em 29/01/2007 - 14:49h
Concordo, abeljnr!
Um amigo meu tentou, uns quatro anos atrás, criar uma ONG para combater o uso de drogas nas escolas. Ele e diversos profissionais que ele conseguiu sairiam, voluntariamente, fazendo palestras nas escolas de bairros carentes da cidade dele.
Quando tentou legalizar essa ONG, descobriu que tinha de tirar (além dos documentos normais) vários atestados na Justiça e na Polícia Federal, que custavam caro e eram difíceis. A justificativa era que como a ONG "ligava com drogas", tinha de registrar-se em diversos lugares, inclusive na Secreteria Anti-Drogas da PF.
Ele tentou explicar que não "lidava com drogas", mas sim combatia o uso delas, mas a burocracia não tem ouvidos.
Conclusão, depois de muito rodar ele acabou desistindo do projeto, por ficar com um custo muito alto.
Quando me escreveu falando disse ele disse algo que me marcou: "PARA COMBATER AS DROGAS NAS ESCOLAS EU PRECISO DE TANTOS DOCUMENTOS, MAS O TRAFICANTE NÃO PRECISA DE DOCUMENTO ALGUM PARA VENDÊ-LAS. POR ISSO TEM TANTOS DROGADOS NO PAÍS!!!"
[15] Comentário enviado por fernandoop em 07/01/2010 - 16:20h
A interpretação do CDC está um pouco precipitada.
Sou servidor público. Trabalho com C.D.C há 5 anos e tenho graduação em Tecnologia da Informação.
Há uma grande controvérsia no seguinte ponto.
Consumidor é aquele que ADQUIRE ou UTILIZA um produto ou serviço. Qualquer pessoa para adquirir e utilizar precisa COMPRAR (sim, pagar) o fato da pessoa baixar um S.L e usar não dá a ela a denominação de CONSUMIDOR.
Resumindo: Só sou consumidor se eu pago pelo produto ou serviço.
No caso do S.L existe uma relação civil, nada mais. E realmente qq software que prejudique o cidadão é cabível de reparação material e moral (indenizações), todavia, diante do CÓDIGO CIVIL e não pelo CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
Apesar de alguns dizerem o contrário, já vi julgados do Tribunal de Justiça que setencia exatamente o que expus acima.
Vamos fomentar cada vez mais o S.L.
Outro detalhe é que CONSUMIDOR é DESTINATÁRIO FINAL. Só aqui já descaracteriza qq empresa que utliza um software dizer que é consumidor pois ela usa o software para captar recursos financeiros.
Relaxem, pode divulgar o S.L. tranquilamente (RESPEITNDO A LEI, ÉTICA E TUDO MAIS). Não sei se fui claro... não há uma ausência de legislação, existe lei sim, mas é outra.