lcavalheiro
(usa Slackware)
Enviado em 03/03/2013 - 15:29h
Rei Tenguh escreveu:
Desde que comecei a usar sistemas Linux ouço duas coisas sobre o Slack:
1- Que funciona 100%, que não tem bugs.
2- Que é mantido por um único cara, que se ele morrer ou desistir acabou a distribuição.
Daí que nunca usei porque gosto da ideia de usar um sistema livre feito por uma comunidade, mas não gosto da ideia de usar um sistema livre mantido por uma pessoa. Me soa como sistemas de governo não-democráticos: pra funcionar ou não depende da sorte de ter lá um "bonzinho", hehehe...
É claro que eu sei que existe uma equipe no desenvolvimento do Slack, mas sempre lí sobre essa dependência sobre uma única pessoa.
Por favor, me convençam de que esse pensamentos não procedem. ^^ Tô com 3 hardwares "pedindo por favor" pra eu tentar o Slack.
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[OFF: Cavalheeeeeiroooo...]
É pra convencer? Beleza, até o grande "Bob" autorizou-me a tentar convencê-lo, meu caro.
O Slack tem realmente algumas características únicas no mundo GNU / Linux que contribuem para a grande e merecida fama da distro. Principalmente no mundo da tecnologia da informação, existir há vinte anos é um indicativo da qualidade e do apreço destinados à mais antiga das distros ainda em atividade. As filosofias adotadas pela equipe do Slackware (atualmente o tio Pat não o desenvolve sozinho por motivos de saúde) vão contra tudo aquilo que se verifica no mundo da TI, e mesmo assim a distro existe, firme e forte, e é referência no mundo GNU / Linux (ao ponto de isso ser reconhecido pelo próprio Stallman em um e-mail que recebi dele tem um ano mais ou menos).
Vamos começar. O Slack baseia-se no KISS (que você conhece mais ou menos do Arch), e nada me custa enunciar isso aqui:
keep it simple, stupid -
ou mantenha isto simples, [*****]. O mundo GNU / Linux parece que prefere o
more bloated, better, e aí se enche de firulas, perfumarias e palhaçadas desnecessárias? Qual é a necessidade de um lixo como a Central de Programas do MS Ubuntu quando um sudo apt-get install resolve? (Não sabe o nome do pacote? Pesquise em
http://packages.ubuntu.com) Qual é a necessidade de um Wicd ou um NetworkManager quando o ifconfig + iwconfig + wpa_supplicant resolvem?
Essas firulas estão criando o equivalente ao usuário do Canonical Windows no mundo GNU / Linux. A pessoa que não lê, não pesquisa, não procura entender como a bagaça funciona e aparece em fóruns por aqui perguntando coisas como "como eu instalo o Flash no Ubuntu?" - sendo que isso está mais documentado na internet do que como ver as fotos da última Playboy. A reação dos desenvolvedores da maioria das distros (inclusive do Debian) não é adestrar o usuário a ler, mas aumentar ainda mais a firulagem para que os analfabetos na frente do teclado tenham que pensar menos ainda e consigam resolver seus problemas com o "combo Redmond para cérebros zumbis" (next > next > ... > next > install). Ok, cada um usa o computador para o que quer, mas se o lance é facilidade por que diabos usar GNU / Linux?
Você como usuário do Arch já sabe disso, só enunciei pra criar o contexto para os outros leitores.
O que transforma o Slack em algo tão especial, e os slackers nesse misto de arrogância, conhecimento e bom senso que todos conhecem? Justamente a filosofia da Igreja dos Subgênios, da qual o tio Pat e eu somos adeptos e que norteia o desenvolvimento e a manutenção da distro até hoje. Para resumir, um subgênio é uma pessoa que adota uma postura muito específica com relação ao mundo, reunindo simplicidade, inteligência, astúcia, sagacidade e personalidade - em resumo, o fundamento do verdadeiro espírito hacker - para encarar a vida. Não aceitar respostas, conceitos ou doutrinas prontas, mas prontamente questionar tudo e todos (inclusive a si mesmo) para encontrar respostas que sirvam para aquele momento e então aplicar o processo ao próprio processo, isso é ser um subgênio.
Qual é a relação entre o slacker e o subgênio? Existe muito do faça-você-mesmo na mentalidade do subgênio, e o tio Pat passou isso para a distro. "Não confie em algo que parece pensar mas você não pode ver a cabeça" é um ditado comum entre os subgênios, e isso se aplica a computadores também. Voltando ao exemplo da Central de Programas, se um simples comando no terminal resolve, por que criar um aplicativo gráfico, pesado e ineficiente para fazer a mesma coisa? Facilidade geralmente é o oposto à simplicidade, isso você já sabe, e um subgênio abomina algo que é complexo sem necessidade. O Slackware leva isso ao extremo: se editar um arquivo de configuração resolve, então a GUI que eu preciso se chama vi.
Com isso tudo exposto, parto para sua primeira pergunta. Não, não existe sistema 100% imune a bugs - mas há aqueles que pedem pra ter mais bugs que outros. Todos os pacotes do Slackware são exaustivamente testados pela equipe de desenvolvimento (tio Pat, tio Eric e Piter Punk são os principais) e então distribuídos no modo "vanilla", isso é, sem patches ou códigos adicionais de customização. As outras distros acrescentam ao código original patches para "ambientar" o pacote à distro, e por isso o KDE do Debian não é igual ao KDE do MS Ubuntu, que não é igual ao KDE do Fedora... Mas se você pegar o source do KDE e comparar com o source dos pacotes dessas distros vai ver que tem muita coisa adicionada pelas equipes de desenvolvimento das distros. Mas se você pegar o source do KDE e o source do pacote do KDE do Slack vai ver que eles são exatamente iguais - na verdade, o source do pacote do KDE pro Slack é bem melhor comentado do que o pacote original, com orientações realmente precisas sobre como compilar o KDE do seu jeito.
Sobre a segunda pergunta... há um mito sobre o papel do tio Pat no desenvolvimento do Slackware. Muita gente acha que ele ainda administra a coisa como era na época do Slack 7.0, testando, empacotando e retestando tudo sozinho. Isso passou, meu caro. Tio Pat também tem contas para pagar, e ele o faz criando sistemas para hospitais nos EUA. Hoje em dia ele dispõe de uma (pequena) equipe (basicamente, ele mesmo, tio Eric e o tio Piter) que faz todo o trabalho pesado ao seu lado, e seu papel é apenas o de decidir sobre quais pacotes se coadunam com a filosofia do Slack e, portanto, podem figurar nos repositórios oficiais. Bem diferente de outras distros, nas quais os repositórios oficiais são um reflexo da comunidade - mas, por outro lado, quantas vezes uma atualização no Arch já lhe quebrou o sistema? No Slack, por conta da forma como a coisa é organizada, não entram pacotes conflitantes na mesma versão da distro.
Sim, o tio Pat é o Benevolente Ditador Vitalício do Slackware (http://en.wikipedia.org/wiki/Benevolent_Dictator_for_Life), o mesmo título concedido ao Linus Torvalds com relação ao kernel Linux. Se serve de consolo, o título nunca é auto-imposto, mas sempre concedido (Mark Shuttleworth se torna um duplo
[*****], primeiro porque criou o MS Ubuntu e segundo porque se impôs esse título sobre a
[*****] que criou). Então, se lhe incomoda usar um sistema cujo desenvolvimento depende da direção de uma única pessoa, sugiro deixar o GNU / Linux de lado e usar o Canonical Windows - cujo desenvolvimento do kernel depende das diretrizes do corpo de acionistas majoritários da empresa, não de uma única pessoa. Não use o Perl, já que o Larry Wall é o Benevolente Ditador Vitalício do Perl; não use o PHP, por conta do Rasmus Lerdorf; não use Python, por conta do Guido van Rossum; etc...
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